"Não deis aos cães o que é santo, nem lanceis aos porcos as vossas pérolas, para que não suceda que as calquem aos pés e, voltando-se contra vós, vos despedacem". (Mateus, 7:6)
É da sabedoria popular que "a riqueza só tem valor para quem a sabe aproveitar".
Uma boa ilustração disso é-nos oferecida pela fábula do galo que, estando a catar em um monturo vermes ou migalhas que comesse, deu com uma pedra preciosa.
Vendo-a, exclamou: Ah! se um lapidário te encontrasse! Como haveria de regozijar-se com o achado! A mim, porém, de nada vales. Melhor me serviria um grão de milho ou algum bichinho.
E, afastando-se desdenhosamente, continuou à procura de algo que lhe satisfizesse às necessidades do estômago. O mesmo se pode dizer das coisas espirituais.
A utilização de nossas forças mentais e dons psíquicos, o domínio das leis que regem a comunicabilidade com o Além, etc... são noções benéficas quando empregadas com critério, para fins edificantes; colocadas, porém, ao alcance de pessoas ignorantes ou inescrupulosas podem ser desnaturadas, aviltadas, transformando-se em instrumento para a prática do mal.
Da mesma sorte, certas verdades que sobreexcedem a ciência comum, e idéias novas que vêm contrariar os costumes da época, de início só podem ser assimiladas e saudadas com entusiasmo por uns poucos; forcejar sua aceitação geral, principalmente quando firam interesses ou infirmem privilégios, é expor-nos a violências, senão mesmo ao extermínio. A História que o diga!
Assim, ao recomendar-nos que não ofereçamos aos "cães" o que é santo, nem lancemos aos "porcos" as nossas pérolas, o Mestre referia-se, evidentemente, a determinados tipos de homens, ainda muito atrasados intelectual e moralmente, aos quais não convém sejam revelados conhecimentos superiores ao seu grau evolutivo, para que não contraiam perante a Justiça Divina maior soma de responsabilidade do que poderiam suportar, nem venham a prejudicar o próximo com o mau uso deles.
Isso não quer dizer, entretanto, que desprezemos tais criaturas, considerando-as indignas de nossa solicitude. Tampouco significa que os problemas do espírito e as questões transcendentes devam ser conhecidas exclusivamente pelos iniciados e sacerdotes. Em absoluto.
Essas palavras visam a ensinar-nos a proceder com tato e prudência, aguardando a ocasião mais oportuna para que nossa semeadura produza os resultados desejados, pois, como é notório, todos assimilam facilmente aquilo que lhes interessa, enquanto mal toleram o que nãolhes excite a curiosidade ou não lhes traga proveito imediato.
Jesus, conhecedor profundo que era da psicologia humana, sabia disso, e daí a recomendação em tela, para que não malbaratemos nossos esforços de catequese com quem se ressinta das condições mínimas de receptividade ao trato das coisas santas.
Jamais, todavia, deixou de aproveitar qualquer ensejo para o soerguimento dos caídos na degradação ou mesmo no crime, desde que percebesse neles um desejo sincero (ainda que oculto) de rebilitação moral própria.
Haja vista, entre outros, os episódios em que, com o fascínio de seu verbo, despertou para uma nova vida Zaqueu, o publicano corrupto, e Maria Madalena, a pecadora possessa de sete demônios.
Rodolfo Calligaris