Estávamos lendo o livro “Os 3 caminhos de Hécate”, do escritor espírita J. Herculano Pires (1914-1979), que falando das manifestações de espíritos na Bíblia, cita, entre outros, os seguintes passos: “Em Provérbios, 31:1-9, o espírito da mãe de Lamuel aparece-lhe para lhe transmitir conselhos. Em Juízes, 13, um espírito aparece a Manué e sua mulher” (p. 113). Bem curioso e até ansioso pela nova informação, fomos imediatamente conferi-la. E foi aí que vimos a verdade dos fatos que fazem de tudo para esconder.
Vejamos o passo Pr 31,1-9, do qual colocaremos apenas o versículo 1, já que é ele o que nos interessa:
Bíblia de Jerusalém: Palavras de Lamuel, rei de Massa, as quais lhe ensinou sua mãe. [...]
(Textos com mesmo sentido ao citado: Bíblia do Peregrino; Bíblia Sagrada – Santuário; Bíblia Sagrada – Vozes; Bíblia Sagrada – Ave Maria; Bíblia Shedd, Bíblia Sagrada - Pastoral e Bíblia Anotada – Mundo Cristão)
Bíblia Sagrada - Barsa: Palavras do rei Lamuel. Visão, pela qual o instruiu sua mãe. […]
(Texto com mesmo sentido ao citado: Bíblia Sagrada – Paulinas).
Novo Mundo: Palavras de Lemuel, o rei, a mensagem ponderosa que sua mãe lhe deu em correção: [...]
Bíblia Sagrada – SBB: Palavras do rei Lemuel: a profecia que lhe ensinou sua mãe. [...]
Infelizmente, percebemos que, na maioria das traduções bíblicas citadas, a passagem foi modificada (se o certo não for dizer adulterada ou corrompida) para não deixar transparecer a realidade de que essas instruções, que Lamuel (ou Lemuel) recebe de sua mãe; e pela sua redação a impressão que se tem é que elas foram recebidas de uma morta, ou seja, a mensagem foi transmitida pelo espírito de sua mãe. Apenas na narrativa de três delas podemos fazer uma análise e chegar a conclusão que se trata mesmo de uma aparição, oportunidade em que o espírito transmitiu a sua mensagem.
Visão em êxtase ou noturna, são os dois tipos de visões que aparecem na Bíblia. Fora as que se relacionam a eventos futuros, geralmente, são protagonizadas por seres espirituais. Algumas passagens do Antigo Testamento, inclusive, relatam pessoas tendo visões do Espírito de Deus, como se isso fosse um fato possível a um ser humano. E aí nos surge um questionamento: Por que Ele não aparece mais a ninguém nos dias de hoje?
Muitos dos antigos profetas eram videntes (1Sm 9,9), como, por exemplo, Samuel e Ido, citados com tal faculdade; certamente que tinham visões dos espíritos. Pedro, Tiago e João viram os espíritos Moisés e Elias conversando com Jesus (Mt 17,1-9). Zacarias vê o anjo Gabriel (Lc 1,19), que também foi visto por Daniel que disse ser ele um homem (Dn 9,21).
Uma outra visão bem interessante é a de Paulo que vê um macedônio, que lhe suplicava ir à sua cidade (At 16,9); o fato é que no passo não se dá para concluir se esse macedônio era vivo ou morto. Não estranhe, caro leitor, os vivos também podem se manifestar, pelo fenômeno da emancipação da alma - na linguagem bíblica eles são tidos como “arrebatamentos em espírito”.
Leiamos, agora, a segunda passagem:
Jz 13,2-25: Havia um homem de Saraá, do clã de Dã, que se chamava Manué. Sua mulher era estéril e não tinha filhos. O anjo de Javé apareceu à mulher e lhe disse: "Você é estéril e não tem filhos, mas ficará grávida e dará à luz um filho...” A mulher foi falar assim ao marido: "Um homem de Deus veio me visitar. Pela sua aparência majestosa, parecia um anjo de Deus…". Então Manué rezou a Javé: "Eu te peço, Senhor: que o homem de Deus que enviaste, volte e nos diga o que devemos fazer com o menino, quando ele nascer". Deus ouviu a oração de Manué, e o anjo de Deus apareceu outra vez à mulher, quando ela estava no campo. Seu marido Manué não estava com ela. A mulher foi correndo avisar o marido: "O homem que me visitou outro dia, voltou". Manué seguiu a mulher e foi perguntar ao homem: "Foi você quem falou com esta mulher?" Ele respondeu: "Sim. Fui eu mesmo". Manué disse: "Quando se realizar a sua palavra, como será o comportamento do menino? O que é que ele deve fazer?" O anjo de Javé respondeu a Manué: "A mulher não poderá fazer nada daquilo que lhe foi proibido:...". Manué disse ao anjo de Javé: "Fique conosco, que vamos preparar um cabrito para você". O anjo de Javé respondeu a Manué: "Mesmo que eu fique, não provarei a sua comida. Mas, se você quiser, prepare um holocausto e ofereça a Javé". Manué não tinha percebido que esse homem era o anjo de Javé. E Manué perguntou: "Qual é o seu nome, para que possamos agradecer a você, quando suas palavras se realizarem?" O anjo de Javé retrucou: "Por que você está querendo saber o meu nome? Ele é misterioso". Então Manué pegou o cabrito com a oferta, e ofereceu-o sobre a rocha em holocausto a Javé, que realiza coisas misteriosas. Manué e sua mulher ficaram observando. Quando a chama do altar subiu para o céu, o anjo de Javé também subiu na chama. Vendo isso, Manué e sua mulher caíram com o rosto no chão. O anjo de Javé não apareceu mais, nem para Manué nem para a sua mulher. Então Manué entendeu que era o anjo de Javé. Ele disse à sua mulher: "Certamente morreremos, porque vimos a Deus". A mulher respondeu: "Se Javé nos quisesse matar, não teria aceito o holocausto e a oferta, não nos teria mostrado tudo o que vimos, nem nos teria comunicado essas coisas"...
Para designar o mesmo ser que aparece a Manué e sua mulher, são utilizados estes termos para descrevê-lo: “anjo de Javé”, “um homem de Deus, que parecia um anjo de Deus”, “anjo de Deus”, “o homem” e “Deus”. Percebe-se a grande confusão que faziam diante das manifestações espirituais, não conseguindo, de fato, distinguir o que realmente viam.
Na verdade, o que viam eram anjos, que nada mais são que espíritos desencarnados, razão pela qual eram confundidos com homens. Para corroborar isso, basta ler em Atos o que aconteceu com Pedro. Ele estava preso a mando de Herodes, que já havia mandado matar a Tiago, irmão de João, e pretendia fazer o mesmo com Pedro, uma vez que viu que isso agradava aos judeus (At 12,1-3). Pedro após ser solto por um anjo do Senhor se dirige à casa de Maria, mãe de João, onde muitos estavam reunidos (At 12,6-12), leiamos, na própria narrativa bíblica, do que se sucede em seguida:
Bateu à porta, e uma empregada, chamada Rosa, foi abrir. A empregada reconheceu a voz de Pedro, mas sua alegria foi tanta que, em vez de abrir a porta, entrou correndo para contar que Pedro estava ali, junto à porta. Os presentes disseram: 'Você está ficando louca!' Mas ela insistia. Eles disseram: 'Então deve ser o seu anjo!' Pedro, entretanto, continuava a bater. Por fim, eles abriram a porta: era Pedro mesmo. E eles ficaram sem palavras. (At 12, 13-16).
Diante da possibilidade de Pedro estar à porta e como o supunham já morto, concluíram que só poderia ser o anjo dele que estava ali; em outras palavras: Então deveria ser o seu espírito!
R. N. Champlin, nos explica essa passagem da seguinte forma:
"Os cristãos primitivos têm com toda a razão sido criticados por essa sua atitude. Primeiramente rebateram a jovem escrava completamente, não crendo nela, preferindo acreditar que ela estava louca a crerem que as suas próprias orações haviam sido respondidas! E então, quando ela insistiu tão veementemente que não se equivocara com respeito à presença de Pedro ao portão, porquanto ele tinha um timbre de voz todo pessoal, chegaram eles a acreditar que Pedro já fora executado, à semelhança de Tiago, e que a aparição fora de seu espírito".
[...]
Aqueles primitivos crentes devem ter crido que os mortos podem voltar a fim de se manifestarem aos vivos, através da agência da alma. Observemos que a segunda alternativa, por eles sugerida, sobre como Pedro poderia estar no portão, era que ele teria sido morto e que o seu "anjo" ou "espírito" havia retornado. Portanto, aprendemos que aquilo que é ordinariamente classificado como doutrina "espírita" era crido por alguns membros da igreja cristã de Jerusalém. Isso não significa, naturalmente, que eles pensassem que tal fosse a regra nos casos de morte; porém, aceitaram a possibilidade da comunicação dos espíritos, que a atual igreja evangélica, especialmente em alguns círculos protestantes dogmáticos, nega com tanta veemência.
[…] Porém, por toda a parte abundam histórias de fantasmas, e muitos céticos negam tudo. Todavia, há muitos desses fenômenos, sob tão grande variedade, e cruzam todas as fronteiras religiosas, para que se possa duvidar dos mesmos como fatos. Algumas vezes os mortos voltam, e entram em comunicação com os vivos. Os teólogos judeus aceitavam isso como um fato, havendo entre eles a crença comum de que os "demônios" são espíritos humanos maus, desencarnados.
[...] É um equívoco cercarmos as doutrinas de muralhas, supondo em vão que somente nós, da moderna igreja cristã do século XX, temos as corretas interpretações das verdades bíblicas. Ainda temos muito a aprender, sobre muitas questões, e convém que guardemos nossas mentes abertas, pelo menos o suficiente para permitirmos a entrada de uma réstia de luz. Sabemos pouquíssimo sobre o mundo intermediáriodos espíritos e supomos que o estado "eterno" já existe, o que todas as evidências mostram não ser ainda assim.
[...]
Naturalmente, sem importar o que os judeus criam a respeito dessas coisas, isso não prova nada neste caso. Porém, a experiência humana parece ser capaz de ilustrar amplamente que, algumas vezes, os espíritos dos mortos voltam a este mundo e entram em contato (pela permissão divina) com os homens. E com base nisso ficamos sabendo, pelo menos, que tais espíritos podem vir a fim de realizar determinadas missões, como também depreendemos que nossos conhecimentos sobre o mundo intermediário dos espíritos é extremamente limitado, porquanto muito nos resta ainda a apreender acerca do mundo dos espíritos, bem como sobre as capacidades e atividades dos espíritos. (CHAMPLIN, 2005, p. 250) (grifo do original).
Eis aí os fatos que comprovam o que fazem para tirar das passagens bíblicas a realidade da comunicação com os mortos. Aliás, ficamos pensando seriamente que se considerassem mesmo a Bíblia como sendo a palavra de Deus, não teriam coragem de alterá-la, modificá-la ou adulterá-la (caro leitor, escolha a que achar melhor), como flagrantemente fazem. Inclusive alguns tradutores têm o disparate de colocar em Dt 18,10-11, que sempre é citada como proibindo as comunicações com os mortos, palavras que não existiam à época que os textos bíblicos foram escritos, fora o fato de que não existem em hebraico, aramaico ou grego, como: Espiritismo, espiritistas, médiuns e médium espírita, que são neologismos criados por Kardec em abril do ano de 1857, quando publica a obra O Livro dos Espíritos.
Referências bibliográficas:
CHAMPLIN, R. N., O Novo Testamento Interpretado versículo por versículo, vol. 3, São Paulo: Hagnos, 2005.
PIRES, J. H. Os 3 caminhos de Hecate. São Paulo: Paidéia, 2004.
A Bíblia Anotada. 8ª ed. São Paulo: Mundo Cristão, 1994.
Bíblia de Jerusalém, nova edição. São Paulo: Paulus, 2002.
Bíblia do Peregrino. s/ed. São Paulo: Paulus, 2002.
Bíblia Sagrada, 37a. ed. São Paulo: Paulinas, 1980.
Bíblia Sagrada, 5ª ed. Aparecida-SP: Santuário, 1984.
Bíblia Sagrada, 8ª ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 1989.
Bíblia Sagrada, Edição Barsa. s/ed. Rio de Janeiro: Catholic Press, 1965.
Bíblia Sagrada, Edição Pastoral. 43ª imp. São Paulo: Paulus, 2001.
Bíblia Sagrada, s/ed. Brasília – DF: Sociedade Bíblica do Brasil 1969.
Bíblia Sagrada. 68ª ed. São Paulo: Ave Maria, 1989.
Bíblia Shedd. 2ª ed. São Paulo: Vida Nova; Brasília: SBB, 2005.
Escrituras Sagradas, Tradução do Novo Mundo das. Cesário Lange, SP: STVBT, 1986.