“... e se recusarão a dar ouvidos à verdade, entregando-se às fábulas” (Paulo, 2Tm 4,4).
“... se admitíssemos que Deus faz alguma coisa contrária às leis da natureza, seríamos também obrigados a admitir que Deus age em contradição com a sua própria natureza, o que é um absurdo”. (ESPINOSA, 1670).
Introdução
Relata-nos os textos sagrados que o povo hebreu, ao sair do Egito, defrontou-se com o Mar Vermelho, que se dividiu em duas muralhas após Moisés estender a mão sobre ele, de modo que todo o povo o atravessou a pé enxuto. Os egípcios, que os perseguiam, foram tomados pelas águas quando se juntaram novamente, perecendo todo o exército do Faraó.
Apesar desse “milagre” impressionar, nunca deixamos de questionar se realmente isso aconteceu, tal como se encontra relatado na Bíblia. Pelo que vimos nos filmes épicos, é muita água sô! Veremos, neste estudo, se conseguimos desvendar esse mistério.
As passagens relacionadas
Das várias Bíblias fonte de nossa pesquisa, somente a Bíblia de Jerusalém traz a verdadeira denominação do local da passagem. Optamos por colocar todas as narrativas conforme consta da Bíblia de Jerusalém, por ter sido ela composta por uma equipe de tradutores de católicos e protestantes, portanto, uma tradução de consenso, que segundo pensamos, evita, muito mais que qualquer outra, textos adaptados à conveniência religiosa de um segmento específico.
Ex 13, 17-18: Ora, quando o Faraó deixou o povo partir, Deus não o fez ir pelo caminho no país dos filisteus, apesar de ser o mais perto, porque Deus achara que diante dos combates o povo poderia se arrepender e voltar para o Egito. Deus, então, fez o povo dar a volta pelo caminho do deserto do mar dos Juncos, e os israelitas saíram bem armados do Egito.
Em nota de rodapé explicam os tradutores:
A designação “o mar dos Juncos”, em hebraico yam sûf, é acréscimo. O texto primitivo dava apenas uma indicação geral: os israelitas tomaram o caminho do deserto para o leste ou o sudeste. – o sentido desta designação e a localização do “mar de Suf” são incertos. Ele não é mencionado na narrativa de Ex 14, que fala apenas do “mar”. O único texto que menciona o “mar de Suf” ou “mar dos Juncos” (segundo o egípcio) como cenário do milagre é Ex 15,4, que é poético.
Veremos, mais à frente, que Keller, autor do livro E a Bíblia tinha razão..., reforça essa afirmativa sobre a designação desse local.
Ex 14, 21-28: Então Moisés estendeu a mão sobre o mar. E Iahweh, por um forte vento oriental que soprou toda aquela noite, fez o mar se retirar. Este se tornou terra seca, e as águas foram divididas. Os israelitas entraram pelo meio do mar em seco; e as águas formaram como um muro à sua direita e à sua esquerda. Os egípcios que os perseguiam entraram atrás deles, todos os cavalos de Faraó, os seus carros e os seus cavaleiros, até o meio do mar... Moisés estendeu a mão sobre o mar e este, ao romper da manhã, voltou para o seu leito. Os egípcios, ao fugir, foram de encontro a ele. E Iahweh derribou os egípcios no meio do mar. As águas voltaram e cobriram os carros e cavaleiros de todo o exército de Faraó, que os haviam seguido no mar; e não escapou um só deles.
Transcrevemos da nota de rodapé a seguinte explicação:
Esta narrativa apresenta-nos o milagre de duas maneiras: 1º) Moisés levanta a sua vara sobre o mar, que se fende, formando duas muralhas de água entre as quais os israelitas passam a pé enxuto. Depois, quando os egípcios vão atrás deles, as águas se fecham e os engolem. Esta narrativa é atribuída à tradição sacerdotal ou eloísta. 2º) Moisés encoraja os israelitas fugitivos, assegurando-lhes que nada têm que fazer. Então, Iahweh faz soprar um vento que seca o “mar”, os egípcios ali penetram e são engolidos pelo seu refluxo. Nesta narrativa, atribuída à tradição javista, somente Iahweh é que intervém; não se fala de uma passagem do mar pelos israelitas, mas apenas da miraculosa destruição dos egípcios. Esta narrativa representa a tradição mais antiga. É somente a destruição dos egípcios que afirma o canto muito antigo de Ex 15,21, desenvolvido no poema de 15,1-18. Não é possível determinar o lugar e o modo deste acontecimento; mas aos olhos das testemunhas apareceu como uma intervenção espetacular de “Iahweh guerreiro” (Ex 15,3) e tornou-se um artigo fundamental da fé javista (Dt 11,4; Js 24,7 e cf. Dt 1,30; 6,21-22; 26,7-8). Este milagre do mar foi posto em paralelo com outro milagre da água, a passagem do Jordão (Js 3-4); a saída do Egito foi concebida de maneira secundária à imagem da entrada em Canaã, e as duas apresentações misturam-se no cap. 14. A tradição cristã considerou este milagre como uma figura da salvação, e mais especialmente do batismo (1Cor 10,1).
Embora muitas vezes explicam certas passagens bíblicas, não levam em consideração as suas próprias explicações para análise de outros textos. Por isso insistem que tal ocorrência se trata de “milagre”, mas como já deixamos transparecer, logo de início, só se por delírio poético do autor bíblico.
Ficamos em dúvida de como as coisas realmente aconteceram, já que pelo texto da Bíblia Moisés estendeu a mão sobre o mar, enquanto que o historiador Josefo, dizendo sobre o que se encontra nos Livros Santos, narra da seguinte forma:
Este admirável guia do povo de Deus, depois de ter acabado a sua oração, tocou o mar com sua vara maravilhosa e no mesmo instante ele se dividiu, para deixar os hebreus passar livremente, atravessando-o a pé enxuto, como se estivessem andando em terra firme. (História dos Hebreus, pág. 87).
Assim, temos duas versões para o mesmo fato. Por outro lado, Josefo narra de forma espetacular o retorno das águas ao leito do mar, com o perecimento dos egípcios, coisa não encontrada na Bíblia da mesma forma. Vejamos:
O vento juntara-se às vagas para aumentar a tempestade: grande chuva caiu dos céus; os relâmpagos misturaram-se como ribombo do trovão, os raios seguiram-se aos trovões e para que não faltasse nenhum sinal dos mais severos castigos de Deus, na sua justa cólera, punindo os homens, uma noite sombria e tenebrosa cobriu a superfície do mar; do modo que, de todo esse exército, tão temível, não restou um único homem que pudesse levar ao Egito a notícia da horrível catástrofe. (História dos Hebreus, pág. 87).
A rota inicial do Êxodo
Partiram de Ramsés para Sucot, daí seguiram a Etam, de onde foram até Piairot, ponto em que partiram e atravessaram o mar, acampando em Mara, no Deserto de Etam. (Ex. 13,20; 14.2.9.15; 15,22; Nm 33, 5-8). Ver no mapa 1 abaixo, cuja rota está traçada em linha vermelha:
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Mapa 1: Ampliação do local da passagem | Mapa 2: Visão global da rota do êxodo |
Observar no Mapa 1 (destaque da área realçada no retângulo azul no Mapa 2) que na região da passagem pelo “Mar Vermelho” existe até uma rota comercial (linha pontilhada), demonstrando que não se necessitava de nenhum milagre para passar pelo local. Keller, num mapa colocado em seu livro E a Bíblia tinha razão..., informa que essa área é denominada de “mar dos Juncos”, o que de fato pode-se confirmar no mapa acima que foi retirado da Bíblia Anotada, Mundo Cristão.
Bem abaixo, ainda no Mapa 1, na região indicada como de ajuntamento de água, se refere ao Golfo de Suez, não se trata especificamente do Mar Vermelho, que fica bem mais abaixo, conforme se pode ver mais claramente no Mapa 2, que, segundo nossos cálculos, dista cerca de 360 km do local da passagem.
Temos então, pela geografia da região, que o Mar Vermelho é, vamos assim dizer, divido pela Península do Sinai em dois golfos, o Golfo de Suez e Golfo de Ácaba. Como se diz popularmente “cada um é cada um”, ou melhor, geograficamente falando, golfo é golfo, não é o mar propriamente dito.
Algumas explicações dos tradutores
Fora as que já fornecemos, logo após as passagens anteriormente transcritas, seria ainda interessante lermos outras que se nos apresentam.
O local da travessia do Mar Vermelho foi provavelmente a extensão norte do Golfo de Suez, ao sul do atual porto de Suez. Embora a expressão literal seja “mar dos Juncos”, a referência é ao mar Vermelho, não simplesmente a alguma região alagadiça. (Bíblia Anotada, pág. 98, em relação à Ex 13,18).
Mar Vermelho: lit. “mar dos Juncos”. A expressão designa tanto o atual mar Vermelho como também a região pantanosa e de lagunas, atravessada hoje pelo canal de Suez. É o cenário da passagem dos israelitas pelo “mar Vermelho” (Bíblia Vozes, pág. 91, em relação à Ex 10,19).
A descrição da passagem pelo mar Vermelho corresponde a um fenômeno de ordem natural, como o sugere a menção do “vento forte” (v.21) que põe o mar, isto é, uma região pantanosa, em seco. Tal fenômeno foi providencial para salvar os israelitas (v.24) e fazer perecer os egípcios (v.27): de madrugada as condições climáticas foram favoráveis à passagem segura dos israelitas; de manhã mudaram bruscamente e os egípcios pereceram. Nisto Israel viu a mão providencial de Deus (v.31), expressa pela nuvem e pelo fogo (13,21), pelas águas que formam alas para os israelitas passarem (14,22) e pela vara milagrosa de Moisés (v.16.21.26). (Bíblia Vozes, pág. 97, em relação à Ex 14,21-31).
Em toda essa narração da passagem do mar Vermelho é difícil estabelecer o que haja de verdadeiramente histórico e o que haja de fruto de reelaborações épicas. Tampouco é possível indicar o ponto exato em que se deu a travessia. Por certo, há uma intervenção milagrosa de Deus que, embora servindo-se de fenômenos naturais, pode ordená-los no tempo e lugar para que facilitassem a fuga dos hebreus e o castigo dos egípcios. Em todo o A.T. a passagem do mar Vermelho foi sempre considerada como o exemplo mais esplêndido do socorro providencial de Deus, e em o N.T. é ainda considerada como a figura da salvação, mediante a ablução batismal. (Bíblia Vozes, pág. 97, em relação à Ex. 14,15-31).
Mesmo que em algumas delas se reconheça que não é mesmo o mar Vermelho, mas o mar dos Juncos, ou que o que aconteceu foi um fenômeno de ordem natural, que colocou a região pantanosa em seco, não deixam de envidar esforços em seus argumentos para levá-lo à conta de milagre, contrariando o bom senso em detrimento da fé racional.
A arqueologia confirma os fatos?
Agora sim é que iremos ver o que Keller tem mesmo a nos dizer sobre esse assunto. Vejamos:
Esse “milagre do mar” tem ocupado incessantemente a atenção dos homens. O que até agora nem a ciência nem a pesquisa conseguiram esclarecer não é de modo algum a fuga, para a qual existem várias possibilidades reais. A controvérsia que persiste é sobre o cenário do acontecimento, que ainda não foi possível fixar com certeza.
A primeira dificuldade está na tradução. A palavra hebraica “Yam suph” é traduzida ora por “mar Vermelho”, ora por “mar dos Juncos”. Repetidamente se fala do “mar dos Juncos”: “Ouvimos que o Senhor secou as águas do mar dos Juncos[1] à vossa entrada, quando saístes do Egito...” (Josué 2.10). No Velho Testamento, até o profeta Jeremias, fala-se em “mar dos Juncos”. O Novo Testamento diz sempre “mar Vermelho” (Atos 7.36; Hebreus 10.29).
Às margens do mar Vermelho não crescem juncos. O mar dos juncos propriamente ficava mais ao norte. Dificilmente se poderia fazer uma reconstituição fidedigna do local – e essa é a segunda dificuldade. A construção do Canal de Suez no século passado modificou extraordinariamente o aspecto da paisagem da região. Segundo os cálculos mais prováveis, o chamado “milagre do mar” deve ter acontecido nesse território. Assim, por exemplo, o antigo lago de Ballah, que ficava ao sul da estrada dos filisteus, desapareceu com a construção do canal, transformando-se em pântano. Nos tempos de Ramsés II, existia ao sul uma ligação do golfo de Suez com os lagos amargos. Provavelmente chegava mesmo até mais adiante, até o lago Timsah, o lago dos Crocodilos. Nessa região existia outrora um mar de juncos. O braço de água que se comunicava com os lagos amargos era vadeável em diversos lugares. A verdade é que foram encontrados alguns vestígios de passagens. A fuga do Egito pelo mar dos Juncos é, pois, perfeitamente verossímil. (E a Bíblia tinha razão..., pág. 146).
[1] As traduções em português consultadas citam sempre “mar Vermelho”. (N. do T.)
As observações de Keller se encaixam perfeitamente com algumas das explicações dadas pelos tradutores, ficando, desta forma, sem propósito qualquer argumento contrário, a não ser que algum dia a ciência venha em socorro dos que querem enxergar as coisas sob ponto de vista religioso, sustentando os fatos como milagres.
É bom deixar registrado que na Bíblia de Jerusalém, vinte e uma passagens reportam a esse episódio, sendo que em dezesseis se usa Mar dos Juncos e apenas cinco vezes Mar Vermelho. [[1]]. Fatos semelhantes
A respeito da passagem do mar Vermelho, Josefo nos relata outro acontecimento idêntico:
“... ninguém deve considerar como coisa impossível, que homens, que viviam na inocência e na simplicidade desses primeiros tempos, tivessem encontrado, para se salvar, uma passagem no mar, que se tenha ela aberto por si mesma, quer isso tenha acontecido por vontade de Deus, pois a mesma coisa aconteceu algum tempo depois aos macedônios, quando passaram o mar da Panfília, sob o comando de Alexandre, quando Deus se quis servir dessa nação para destruir o império dos persas, como o narram os historiadores que escreveram a vida desse príncipe. Deixo, no entanto, a cada qual que julgue como quiser”. (História dos Hebreus, pág. 87).
Observar que nesta fala de Josefo é dito dum fato semelhante acontecido com os macedônios, que também a pé enxuto passaram o mar da Panfília.
No livro de Josué (3,14-17) o povo de Israel atravessou o rio Jordão, após as suas águas terem se dividido. Muitos também têm esse episódio como um milagre. Entretanto, vejamos as seguintes notas explicativas dos tradutores:
Sabemos que as águas do Jordão, no seu leito estreito e profundo, vão minando as margens, provocando de vez em quando grandes desabamentos de terras que podem obstruir por completo, a torrente. A partir desse lugar, o leito permanece seco até que as águas rompem uma passagem e encontram de nosso o seu caminho. A história conta-nos que isso aconteceu em 1267, 1914 e 1927. Em nada diminuiria a ação de Deus se se tivesse servido miraculosamente, nesse momento exato, destes elementos locais. (Bíblia Sagrada, Ed. Santuário, pág. 286 em relação à Js 3, 16).
Relaciona-se esse fato com o ocorrido em 1267, segundo o cronista árabe [de nome Huwairi, conforme Ed. Paulinas, pág. 222] o Jordão cessou de correr durante dez horas, porque desmoronamentos do terreno haviam obstruído o vale, precisamente na região de Adamá-Damieh. (Bíblia de Jerusalém, pág. 317, em relação à Js 3, 16).
... O Jordão, de fato, é um pequeno rio que, em alguns lugares, permite a travessia a pé enxuto, principalmente graças à abundância de pedras em seu leito. (Bíblia Sagrada, Ed. Vozes, pág. 238, em relação à Js 4, 3).
Outra Versão do êxodo
Sempre que estivermos pesquisando algo para saber o que de fato aconteceu é recomendável vermos outras fontes. Vejamos uma outra versão da saída dos hebreus do Egito:
Estas são as etapas que os israelitas percorreram, desde que saíram da terra do Egito, segundo os esquadrões, sob a direção de Moisés e Aarão. Moisés registrou os seus pontos de partida, quando saíram sob as ordens de Iahweh. Estas são as etapas, segundo os seus pontos de partida. Partiram de Ramsés no primeiro mês. No décimo quinto dia do primeiro mês, no dia seguinte à Páscoa, partiram de mão erguida, aos olhos de todo o Egito... Os israelitas partiram de Ramsés e acamparam em Sucot. Em seguida partiram de Sucot e acamparam em Etam, que está nos limites do deserto. Partiram de Etam e voltaram em direção de Piairot, que está diante de Baal-Sefon, e acamparam diante de Magdol. Partiram de Piairot e alcançaram o deserto, depois de terem atravessado o mar, e depois de três dias de marcha no deserto de Etam acamparam em Mara. Partiram de Mara e chegaram a Elim. Em Elim havia doze fontes de água e setenta palmeiras; ali acamparam. Partiram de Elim e acamparam junto ao mar dos Juncos. Em seguida partiram do mar dos Juncos e acamparam no deserto de Sin. Partiram do deserto de Sin e acamparam em Dafca. Partiram de Dafca e acamparam em Alus. Partiram de Alus e acamparam em Rafidim; o povo não encontrou ali água para beber. Partiram de Rafidim e acamparam no deserto do Sinai...
Nessa versão, que reduzimos até a chegada ao Sinai, não há a menor menção à abertura do mar Vermelho, não é interessante? Mas poderiam nos perguntar, de onde você a retirou? Responderemos serenamente: da Bíblia? Como da Bíblia? Sim, é exatamente isso mesmo, essa passagem foi transcrita da própria Bíblia, quem o quiser comprovar então leia Nm 33,1-49. Com qual das versões ficaremos como sendo a verdadeira? Por ela a passagem pelo mar dos Juncos foi coisa normal, e não poderia ser de outra forma, já que até mesmo uma rota comercial existia naquele local, conforme poder-se-á comprovar pela linha pontilhada no mapa 1.
Conflitos inexplicáveis
Leiamos as seguintes passagens:
O Faraó mandou aprontar o seu carro e tomou consigo o seu povo; tomou seiscentos carros escolhidos e todos os carros do Egito, com oficiais sobre todos eles. E Iahweh endureceu o coração de Faraó, rei do Egito, e este perseguiu os israelitas, enquanto saíam de braço erguido. Os egípcios perseguiram-nos, com todos os cavalos e carros de Faraó, e os cavaleiros e o seu exército, e os alcançaram acampados junto ao mar, perto de Piairot, diante de Baal Sefon. (Ex 14,6-9).
Os egípcios que os perseguiam entraram atrás deles, todos os cavalos de Faraó, os seus carros e os seus cavaleiros, até o meio do mar (Ex 14,23).
As águas voltaram e cobriram os carros e cavaleiros de todo o exército de Faraó, que os haviam seguido no mar; e não escapou um só deles. (Ex 14,28)
O primeiro conflito é como os egípcios poderiam estar ainda usando os cavalos, uma vez que, quando a peste maligna, uma das pragas divinas, os atingiu morrem todos os animais (Ex 9, 6)?
Segundo os estudiosos é provável que o Faraó daquela época tenha sido Ramsés II. O relato diz que todos morreram não escapando um só, mas será que um evento desse, evolvendo o próprio Faraó, não tenha sido registrado pelos egípcios? Será que houve uma falha entre os escritores da época? Apesar de nossos esforços em procurar saber como Ramsés II morreu, só encontramos essas referências:
“Ramsés morreu com aproximadamente 90 anos e gerou pelo menos 90 filhos. Quando estudaram a múmia de Ramsés, viram grandes problemas com seus dentes. Pode ser que tenha morrido por infecção. Sabe-se que nos seus últimos dias sofreu bastante”. (fonte: http://www.caiozip.com/ramses.htm). “Como o grande Ramsés morreu? Provavelmente de velhice”. (National Geografic, Ed 26ª, texto de Rick Gore, in Ramsés, o Grande, p. 35).
“Ramsés II morreu em agosto de 1213 a.C., com cerca de 90 anos”. (National Geografic, Ed. 26ª, texto de Kent R. Weeks, in Vale dos Reis, p. 60).
Entretanto, fosse sua morte provocada pela maneira descrita na Bíblia fatalmente haveria registro disso em outras fontes. Por conseguinte, caso o Faraó não tenha morrido afogado, fato que é o mais provável, então o relato bíblico é fictício; eis o dilema.
Conclusão
De nada adianta usar as interpretações piedosas de muitas das religiões tradicionais para sustentar esses fatos, pois ao homem inquiridor dos dias atuais, alegações desse tipo não convencem, já que ele prefere que se busque a verdade dos fatos. Devemos, mesmo à custa de muita indignação por parte de algumas pessoas, apontar os equívocos de interpretação, as interpolações, bem como as deliberadas adulterações, para mostrar a verdade limpa e pura, que muito mais agrada que uma mentira evidenciada pelos fatos.
Devem, pois, os teólogos rever seus conceitos e, diga-se de passagem, em sua maioria são dum passado remoto que, por força dos conhecimentos atuais, tornaram-se obsoletos. “A verdade ainda que tardia”, diria Tiradentes numa situação dessa.
Finalizando, veremos a opinião de Espinosa a respeito de milagres desse tipo:
O homem comum chama, portanto, milagres ou obras de Deus aos fatos insólitos da natureza e, em parte por devoção, em parte pelo desejo de contrariar os que cultivam as ciências da natureza, prefere ignorar as causas naturais das coisas e só anseia por ouvir falar do que mais ignora e que, por isso mesmo, mais admira. Isso, porque o vulgo é incapaz de adorar a Deus e atribuir tudo ao seu poder e à sua vontade, sem elidir as causas naturais ou imaginar coisas estranhas ao curso da natureza. Se alguma vez ele admira a potência de Deus, é quando imagina como que a subjugar a potência da natureza.
O que temos dito é que o maior milagre, no caso do Mar Vermelho, não é propriamente abri-lo em duas muralhas, mas transportá-lo para o local onde aconteceu a travessia, pois aí teria que acontecer um extraordinário fenômeno para deslocá-lo em cerca de 360 km.
Paulo da Silva Neto Sobrinho
Mar/2004
(Revisado out/2005)
Referência Bibliográfica:
A Bíblia Anotada. Trad. PINTO, O. C. São Paulo: Mundo Cristão, 1994.
Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002.
Bíblia do Peregrino. São Paulo: Paulus, 2002.
Bíblia Sagrada - Edição Barsa. Rio de Janeiro: Catholic Press, 1965.
Bíblia Sagrada - Edição Pastoral. São Paulo: Paulus, 2001.
Bíblia Sagrada. Aparecida, SP: Santuário,1984.
Bíblia Sagrada. Brasília, DF: SBB, 1969.
Bíblia Sagrada. Petrópolis, RJ: Vozes, 1989.
Bíblia Sagrada. São Paulo: Ave Maria, 1989.
Bíblia Sagrada. São Paulo: Paulinas, 1980.
Escrituras Sagradas, Tradução do Novo Mundo das. Cesário Lange, SP: STVBT, 1986.
ESPINOSA, B. Tratado Teológico-Político. trad. AURÉLIO, D. P. São Paulo; Martins Fontes, 2003.
JOSEFO, F. História dos Hebreus. Trad. PEDROSO, V. Rio de Janeiro: CPAD, 1990.
KELLER, W. E a Bíblia tinha razão... São Paulo: Melhoramentos, 2000.
National Geografic Especial nº 26 A, São Paulo: Abril, junho de 2002.
http://www.caiozip.com/ramses.htm, consultado em 26.10.2005, às 10.00 hs.