A imortalidade - disse Pascal - importa-nos de tal forma, e tão profundamente nos toca, que é preciso ter perdido todo o senso, para ficar indiferente ao seu conhecimento.
A necessidade de perscrutar nosso destino tem sido a preocupação de inumeráveis gerações, pois as grandes revoluções que transformaram as sociedades foram feitas por chefes religiosos. Entretanto, em nossos dias, reina a incerteza na maioria de nossos contemporâneos, a respeito de tão importante assunto, porque a Religião perdeu grande parte de sua autoridade moral e viu diminuir seu poder sugestivo.
Com os filósofos espiritualistas, a alma, ávida de verdade, erra, atônita, nos obscuros dédalos de uma metafísica abstrata, muitas vezes contraditória, e por vezes incompreensível.
O último século foi notável pelo extraordinário desenvolvimento das pesquisas psíquicas, em todos os ramos da Ciência. Os novos conhecimentos que adquirimos revolucionaram nossas condições de existência e melhoraram nossa vida material, em proporções que pareceriam inverossímeis a nossos antepassados. Entretanto, pôde-se acusar a Ciência de ter iludido todas as nossas esperanças, porque, se ela triunfa no domínio da matéria, fica voluntariamente estranha ao que mais nos importa saber, isto é, se temos uma alma imortal, e, na afirmativa, o em que se tornará ela depois da morte, e, com mais forte razão, se existe antes do nascimento. Mas se a Ciência foi incapaz de edificar, tornou-se poderoso instrumento de destruição.
Os descobrimentos da Astronomia, da Geologia e da Antropologia levantaram o véu de nossas origens, e, à luz dessas grandiosas revelações naturais, as ficções religiosas sobre a origem da Terra e a do homem desvaneceram-se, como aconteceu às lendas, diante da História.
Por outra parte, a crítica intensa dos exegetas tirou à Bíblia seu caráter de revelação divina, de sorte que muitos espíritos sinceros recusam submeter-se, agora, à sua autoridade. Essa ruína da fé resulta, também, do antagonismo que existe entre o ensino religioso e a Razão. As antigas concepções do Céu e do Inferno caducaram, porque não mais se compreende a eternidade do sofrimento como punição de uma existência, que, em relação à imensidade do tempo, é menos de um segundo, assim como não se concebe a felicidade ociosa e beata, cuja eterna monotonia seria um verdadeiro suplício.
Para trazer novas luzes a assunto tão longamente controvertido, como o da existência da alma, é preciso abandonar, resolutamente, o terreno das estéreis discussões filosóficas, as quais, na maioria dos casos, chegam, apenas, a soluções contraditórias, e aportar ao assunto pela observação e pela experiência.
A alma existe substancialmente; se ela, de fato, é diferente do corpo, deve ser possível encontrar-lhe, nas manifestações, provas de sua independência para com o organismo. Ora, essas provas existem e fácil é convencer-nos, estudando imparcialmente os fatos hoje classificados sob as denominações de clarividência, telepatia, premonição, exteriorização da sensibilidade ou da motricidade e desdobramento do ser humano.
Durante muito tempo, a Ciência permaneceu céptica em face dos fenômenos em que não acreditava, e foram necessários os esforços perseverantes dos espiritistas, há mais de 70 anos, para orientar, em tão recentes vias, os pesquisadores independentes.
Soou, enfim, a hora da justiça, desde que o Prof. Charles Richet depôs na mesa dos trabalhos da Academia de Ciências, no mês de março de 1922, seu "Tratado de Metapsíquica", que é um reconhecimento formal da indiscutível realidade dos fenômenos de que falamos acima. Se o célebre fisiologista se conserva, ainda, em oposição à teoria espirítica dos fatos, é timidamente, apenas, que cambate essa explicação. Muitas sábios ilustres não tiveram tais escrúpulos, visto que Crookes, Alfred Russel, Wallace, Myers, Sir Oliver Lodge, Lombroso e vários outros, aceitam, plenamente, para explicar os mesmos fatos, a teoria espirítica, que é a única que a eles se poderá adaptar. A "Sociedade Inglesa de Pesquisas Psíquicas", composta de homens de ciência de primeira ordem e de psicólogos eminentes, tem feito, desde 1882, milhares de observações, tem instituído experiências irreprocháveis, e, graças à vulgarização dos processos hipnóticos, o público letrado começa a familiarizar-se com esses casos, que revelam, em nós, a presença da alma humana.
Não basta, porém, estabelecer que o ser pensante é uma realidade; é necessário, também, provar que sua individualidade sobrevive à morte, e isto, com o mesmo fluxo de demonstrações positivas como as que tornam certa sua existência durante a vida.
Os espiritistas responderam a essa expectativa, mostrando que as relações entre as vivos e os mortos se realizam sob formas muito variadas da escrita, da tiptologia, da vidência, da audição, etc. Eles empregam a fotografia, a balança, as impressões e as moldagens para estabelecer a objetividade dos fantasmas, que aparecem nas sessões de materialização, e a corporeidade temporária dessas aparições é irrecusável, desde que todos aqueles documentos subsistem depois que os fantasmas se desvanecem.
As objeções de fraudes, alucinações e outras foram refutadas diante das reiteradas investigações empreendidas no mundo inteiro pelos sábios mais qualificados; e, em face da massa de provas acumuladas, pode-se, agora, afirmar que a materialidade dos fatos não é mais contestável. Sem dúvida, a luta contra os preconceitos ainda será longa, porque vemos unidos, em coligação heteróclita, os padres e os materialistas, ambos igualmente ameaçados por esta ciência nova; é tão grande, porém, a força demonstrativa do Espiritismo, que já conquistou ele milhões de aderentes, em todas as classes da sociedade, e viceja sobre as ruínas do passado.
Não nos podendo estender em tão variadas demonstrações, reenviamos o leitor, desejoso de instruir-se, às obras já publicadas.
Temos como irrecusável que a alma humana possui uma existência certa durante a vida, que sobrevive à desagregação do corpo, e que leva para o Além as faculdades e os poderes que possuía aqui.
Impõe-se, agora, a questão de saber se ela existia antes do nascimento e quais as provas que é possível reunir para apoiar a teoria da preexistência. São elas de duas espécies:
1.° - Argumentos filosóficos;
2.° - Observações científicas.
Examinemos, rapidamente, estes dois aspectos da questão, A crença na pluralidade das existências foi admitida pelos espíritos mais eminentes da Antigüidade, sob formas, a princípio, um tanto obscuras, mas que, com o tempo, se precisaram de maneira compreensível. Tendo o Cristianismo repelido tal teoria, os homens de hoje se familiarizaram pouco com essa idéia eminentemente racional. Veremos que há argumentos irresistiveis em seu favor, se quisermos conciliar as desigualdades intelectuais e morais que existem entre os homens, com uma justiça imanente.
Se admitirmos que a alma do homem não vem à Terra pela primeira vez, que sua aparíção não é súbita, seremos levados a supor, remontando até à origem da Humanidade, que ela passou, anteriormente, pelo reino animal, que o percorreu todo, desde a origem da vida no Globo.
Veremos que os descobrimentos da Ciência estejam fortemente essa opinião, porque é possível verificar, pela filiação dos seres vivos, uma correlação progressivamente crescente entre os organismos materiais e as formas cada vez mais desenvolvidas das faculdades psíquicas.
É nesse momento que fazemos intervir as experiências de Espiritismo, buscando dar a essa teoria filosófica uma base experimental, ou seja, procurando fazê-la entrar na Ciência.
Eis, ligeiramente resumidos, os pontos mais notáveis dessa demonstração.
A experiência nos mostra que a alma é inseparável de um corpo fluídico, chamado perispírito. Esse invólucro contém em si todas as leis que presidem a organização e a manutenção do corpo material, e, ao mesmo tempo, as que regem o funcionamento psicológico do Espírito.
As manifestações dos Espíritos fazem ver, objetivamente, esse poder formador e plástico, e nos fazem supor que aquilo que sucede, momentânea e anormalmente, em uma sessão espíritica, produz-se, lenta e naturalmente, no instante do nascimento. Desde então, cada ser traz consigo o poder de desenvolvimento, e só a forma, isto é, o tipo estrutural interno e externo é modificado pelas leís de hereditariedade, que lhe podem perturbar, mais ou menos, o funcionamento.
Tentei um esboço dessa demonstração há 30 anos, no meu livro "A Evolução Anímica", e em uma memória apresentada em 1898 ao Congresso Espiritualista de Londres.
Se os fatos precedentes são exatos, devemos encontrar na série animal os mesmos fenômenos que no ser humano e poderemos fiscalizá-los experimentalmente. Exporei as provas fisiológicas e psicológicas que possuímos a esse respeito e ver-se-á que, se os documentos ainda não são em número suficiente para impor uma convicção absoluta, possuem, entretanto, bastante valor para obrigar-nos a tê-los na maior conta.
Outra série de argumentos pode ser extraída do testemunho dos Espíritos, e terei o máximo cuidado em não esquecer essa fonte de informações, fazendo as necessárias reservas sobre o valor que devemos atribuir às afirmações dessa natureza.
Existe, com efeito, divergência assaz sensível sobre este ponto, entre os Espíritos que se manifestam nas diferentes partes do mundo. Os seres desencarnados dos países latinos ensinam, quase unanimemente, as vidas sucessivas; graças a eles adotou Allan Kardec esta teoria, à qual se opunha anteriormente. Nos países saxônios, pelo contrário, a maioria dos Espíritos rejeita essa hipótese. Não nos espantemos com esse desacordo, porque, assim no Espaço que na Terra, as opiniões sobre as grandes leis da Natureza estão divididas, e entre os Espíritos, como entre nós, não são os mais instruídos, ou os mais evolvidos, os que acabam por demonstrar o bom fundamento de suas idéias.
Verifica-se, agora, que há vinte anos a reencarnação vem sendo admitida por grande número de Espíritos, na Inglaterra e nos Estados Unidos, e daí concluímos que essa teoria teria sido, até então, posta de lado pelos Guias espirituais, para não chocar rudemente as crenças antigas e comprometer, por isso o desenvolvimento do Espiritismo.
Hoje, que essa doutrina conta milhões de adeptos no Novo Mundo, já não existe o perigo, e a teoria das vidas sucessivas ganha terreno cada vez mais.
Podem-se encontrar nas comunicações espiríticas duas espécies de provas da reencarnação:
1.°, as que provêm de Espíritos, que afirmam lembrar-se de suas vidas anteriores;
2.°, aquelas nas quais os Espíritos anunciam, de antemão, quais serão suas reencarnações aqui, com a especificação do sexo, dos caracteres particulares pelos quais poderão ser reconhecidos.
Discutiremos, cuidadosamente, esses documentos e ver-se-à muitos resistem a todas as críticas.
Há, ainda, duas séries de provas concernentes às vidas sucessivas: são, a princípio, as fornecidas pelos seres humanos quais se lembram de ter vivido na Terra. Nessa matéria uma comparação entre esses fenômenos e a paramnésia, permitir-nos-á conservar tão-somente documentos inatacáveis. Seguem-se as que se deduzem da existência dos meninos-prodigio. A hereditariedade psíquica é inadmissível, visto como sabem: que a alma não é fabricada pelos pais, assim, a reencarnação, única explicação lógica das anomalias aparentes.
Esses fatos, tão negligenciados, até agora, pelos filósofos, têm considerável importância: se os quisermos examinar atentamente e deduzir-lhes as conseqüências, chegaremos com quase certeza da teoria das vidas sucessivas e compreenderemos a grandiosa evolução da alma humana, desde as formas inferiores até os graus mais elevados da vida normal e moral.
Essa doutrina tem um alcance filosófico e social de considerável importância para o futuro da Humanidade, porque estabelece as bases de uma psicologia integral, que maravilhosamente se adapta a todas as ciências contemporâneas, em suas mais altas concepções.
Estudemo-la, pois, com imparcialidade, e veremos que é ela mais que uma teoria científica, porque uma verdade imponente, irrecusável.
Gabriel Delanne