A Doutrina Espírita adota e ensina a reencarnação – a pluralidade das existências – como uma das leis naturais.
Na questão 166-b, de O Livro dos Espíritos (Ed. FEB), o Codificador indaga aos Espíritos reveladores, após obter esclarecimentos sobre a forma de depuração das almas: “A alma passa então por muitas existências corporais?”.
A resposta é peremptória, terminante, sobre a realidade das vidas sucessivas: “Sim, todos contamos muitas existências. Os que dizem o contrário pretendem manter-vos na ignorância em que eles próprios se encontram. Esse o desejo deles”.
O ensino, seguido de outros esclarecimentos, não deixou dúvidas sobre a divina determinação da sucessividade das vidas corporais como forma de expiação e melhoramento progressivo de cada Espírito, lei que atinge toda a Humanidade.
É interessante assinalar que Allan Kardec, que antes das explicações dos Espíritos reveladores não aceitava a pluralidade das existências, modificou, desde então, sua opinião, passando a admitir a necessidade da reencarnação como uma das leis naturais ou divinas necessárias à evolução do Espírito imortal.
Prova cabal do imediato convencimento do Codificador, diante das explicações recebidas, são seus comentários formulados em aditamento à questão 171 da obra básica da Doutrina, nos quais expressa sua convicção sobre a justiça de Deus, ao determinar a sucessividade da vida corporal, enquanto necessária ao aperfeiçoamento do ser espiritual.
São palavras do Codificador:
Todos os Espíritos tendem para a perfeição e Deus lhes faculta os meios de alcançá-la, proporcionando-lhes as provações da vida corporal. Sua justiça, porém, lhes concede realizar, em novas existências, o que não puderam fazer ou concluir numa primeira prova.
A doutrina da reencarnação, isto é, a que consiste em admitir para o Espírito muitas existências sucessivas, é a única que corresponde à ideia que formamos da justiça de Deus para com os homens que se acham em condição moral inferior; a única que pode explicar o futuro e firmar as nossas esperanças, pois que nos oferece os meios de resgatarmos os nossos erros por novas provações. A razão no-la indica e os Espíritos a ensinam.
Pelo ensino dos Espíritos, as diversas existências nem sempre ocorrem todas no mesmo mundo material.
As almas podem reencarnar em um mesmo globo material, como a Terra, ou podem passar de um mundo para outro.
O que determina a necessidade das reencarnações, seja em um mesmo, ou em diferentes mundos, é o imperativo da evolução, do progresso, lei divina aplicável a todos os Espíritos, como uma das determinações da Justiça Divina.
A crença nas existências sucessivas não é exclusividade do Espiritismo.
Foi admitida, sob formas diversificadas, desde a mais remota antiguidade, por doutrinas espiritualistas de diversos povos, ou por personalidades eminentes, que se destacaram pelas suas idéias.
Os ensinos do Cristo, embora não tenham explicitado a doutrina reencarnacionista como a entendemos na atualidade, deixaram referências ao renascimento do Espírito em diversos relatos evangélicos, como é do conhecimento dos espíritas.
Entretanto, o Cristianismo dos homens, as Igrejas Romana, Oriental, e as resultantes da Reforma não aceitam as vidas sucessivas.
Admitindo a criação da alma no momento do nascimento e diante das desigualdades morais, intelectuais e sociais dos indivíduos, evidenciando uma injustiça flagrante às criaturas, formularam as igrejas e outras religiões, da atualidade e do passado, ideias que se contrapõem inteiramente à Justiça Divina: o inferno eterno, ou o céu de delícias, também eterno, como consequências irrecusáveis de uma vida na Terra, que se alonga por algumas décadas, ou se limita a dias ou poucos anos.
A incoerência dos ensinos dessas religiões é flagrante e foi percebida pelos pensadores independentes, no decorrer dos séculos.
A preocupação com a origem e o destino da criatura humana vem desde as eras mais recuadas.
Religiões e filosofias, as mais antigas e as atuais, interessaram-se por esse problema que, somente com as revelações do Consolador, prometido e enviado pelo Cristo de Deus, ficou esclarecido em suas múltiplas faces.
Foram necessárias, entretanto, ao lado do progresso da Humanidade, sob diversos aspectos, as revelações da Espiritualidade superior, essenciais à elucidação de questões transcendentais, como as que dizem respeito às vidas sucessivas.
Se pesquisarmos o histórico de vários povos antigos, vamos encontrar a questão da palingenesia formulada de diferentes formas, de conformidade com o entendimento de determinados grupos humanos e as ideias de alguns filósofos e pensadores.
Na Índia, desde tempos longínquos, a pluralidade das existências era entendida com bastante aproximação da realidade, o que ocorre até os dias atuais.
No Bhagavad Gita e nos Vedas encontram-se citações e referências que não deixam dúvida sobre a percepção que os hindus tinham e ainda têm sobre a reencarnação.
Na Pérsia antiga, o Masdeísmo dava ao povo uma noção bem realista das vidas sucessivas, para a redenção de todas as criaturas humanas.
Entre os hebreus, a ideia do renascimento das almas encontra-se veladamente admitida no Velho Testamento, especialmente nos escritos de alguns profetas.
Mas nos Evangelhos há referências explícitas em algumas passagens, como a resposta de Jesus aos seus discípulos, a respeito da volta de Elias: “Elias já veio e não o reconheceram, antes fizeram-lhe tudo o que quiseram”. (Mateus, 17:12.)
O comentário do Evangelista é que os discípulos compreenderam que o Mestre se referia a João Batista, como Elias reencarnado.
Outra passagem clara, registrada no Evangelho de João (3:3), é a resposta de Jesus a Nicodemos, que os espíritas conhecem bem, por ser muito citada: “Em verdade, em verdade vos digo, ninguém verá o reino de Deus, sem nascer de novo”.
Por mais que se procure interpretar as palavras do Mestre Jesus em outros sentidos figurativos, como o fazem os seguidores de religiões que não admitem a reencarnação, a expressão “nascer de novo” é peremptória, decisiva, para caracterizar um renascimento novo do ser, máxime atentando-se na circunstância de que Jesus não desconhecia uma crença comum a vários povos antigos, inclusive, o hebreu.
Por isso, diante da dúvida de Nicodemos, que objetou:
“Como pode ser isso?”, o Mestre respondeu: “Tu és mestre de Israel e não sabes isso?” (João, 3:9-10).
Certo é que existiam, nas sociedades antigas, ensinos ocultos ao comum dos homens, mas conhecidos e aceitos pelos iniciados. A crença na imortalidade da alma e nas vidas sucessivas eram ensinos cultivados, independentemente da aprovação dos detentores dos poderes constituídos.
Na Grécia, Pitágoras tomou conhecimento da sucessividade dos renascimentos das almas, em suas viagens à Pérsia e ao Egito, introduzindo essa crença em sua pátria.
Mas, entre os gregos, não podemos omitir a doutrina de Sócrates e Platão, considerados, com justa razão, precursores do Cristo e do Espiritismo.
Na “Introdução”, item IV, de O Evangelho segundo o Espiritismo (Ed. FEB), peça notável que os seguidores da Doutrina Consoladora devem reler sempre, por seus esclarecimentos importantes, o Codificador refere-se aos dois filósofos gregos como verdadeiros “precursores da ideia Cristã e do Espiritismo”.
Acrescenta Kardec que Sócrates, assim como Jesus, o Cristo, nada deixaram escrito: “[...] Assim como a doutrina de Jesus só a conhecemos pelo que escreveram seus discípulos, da de Sócrates só temos conhecimento pelos escritos de seu discípulo Platão. [...]”.
Os romanos receberam a influência dos gregos, especialmente no que se refere aos conhecimentos e às crenças.
No poderoso império, pelo menos dois nomes se destacaram na aceitação da ideia reencarnacionista:
Virgílio e Ovídio.
Nas Gálias, território da França atual, a religião dos druidas ensinava a existência de Deus e a crença nas vidas sucessivas.
Vale recordar que o Codificador da Doutrina dos Espíritos, o professor Hippolyte Léon Denizard Rivail, viveu entre os druidas, com o nome Allan Kardec, conforme lhe foi revelado, o que lhe inspirou a ideia de adotar, como pseudônimo, seu antigo nome, o qual ficaria ligado, para sempre, à Doutrina Consoladora.
No período da Idade Média, a longa noite de mil anos, quando o mundo Ocidental foi dominado pela poderosa Igreja Católica Romana, a doutrina palingenésica, ou das vidas sucessivas, foi proscrita e praticamente esquecida. Somente algumas sociedades secretas transmitiam oralmente esse conhecimento tradicional de uma realidade que acompanha a Humanidade desde tempos imemoriais.
Nem a divisão da Igreja, com a separação da Igreja Oriental, nem a Reforma iniciada por Martinho Lutero e que resultou nas Igrejas Protestantes, espalhadas pelo Ocidente, favoreceram a aceitação da doutrina reencarnacionista, que ficou adstrita às antigas religiões e filosofias orientais (Índia) e aos iniciados em ciências ocultas, que sempre existiram.
Somente com a conquista da liberdade de pensamento e de expressão, cujo símbolo maior é a Revolução Francesa, nos fins do século XVIII, tornou-se possível a propagação das ideias, das verdades e dos conhecimentos, aos quais se opunham os poderosos.
Por isso é que a sabedoria do Cristo só determinou a vinda do outro Consolador, que podemos identificar na Doutrina dos Espíritos, na época apropriada – meados do século XIX – para ficar definitivamente com os homens que tiverem olhos e ouvidos para percebê-lo e dele fazerem a orientação para suas vidas.
Deste modo, sejam quais forem as provações em nossas vidas, agradeçamos a Deus por suas leis justas, entre as quais se insere a reencarnação.
Juvanir Borges
Reformador Abril2008