Se os Espíritos reencarnam, e consequentemente transitam do plano físico para o espiritual e vice-versa, como justificar o crescimento da população mundial?
No início da Era Cristã havia perto de trezentos milhões de habitantes na Terra. Seremos oito bilhões em 2020, vinte e sete vezes mais.
De onde essa gente toda vem se é sempre a mesma gente que vai?
Esse, amigo leitor, é o mais frequente questionamento dos que combatem o princípio das vidas sucessivas.
Há os ingênuos, que não se dão ao trabalho de estudar o assunto.
Pior são os espertos que, embora conhecendo a resposta, faltam à verdade com a intenção de dar um nó em nossos miolos.
Segundo informações da Espiritualidade, através de médiuns confiáveis, como Chico Xavier, nosso planeta tem vinte e cinco bilhões de Espíritos que aqui desenvolvem experiências evolutivas. Aproximadamente seis bilhões e setecentos milhões encarnados; os restantes, desencarnados.
Portanto, a população pode crescer à vontade. Enquanto não se exaurirem os recursos do Planeta, sempre haverá gente de lá para cá aportar.
Ainda que toda a população planetária possa, hipoteticamente, encarnar, não haverá problema.
Espíritos de outros mundos aqui aportarão, obedecendo à migração interplanetária, já que não são estanques suas coletividades.
E mais: nunca faltarão Espíritos para compor populações em qualquer estância do Universo, porquanto a Criação é infinita.
Diante de fariseus e saduceus orgulhosos da descendência de Abraão, João Batista, o precursor, dizia, significativamente (Mateus,3:9):
Não penseis que basta dizer: temos por pai a Abraão. Eu vos digo que destas pedras Deus pode suscitar filhos a Abraão.
Simbolismo ilustrativo.
Deus cria incessantemente Espíritos para povoar o Universo.
São mais numerosos na vastidão do infinito do que os átomos que compõem o mar de pedras que há na Terra.
Sempre os teremos para aqui encarnar, se assim o Criador o desejar.
Indagará você, leitor amigo: Por onde andam os perto de dezoito bilhões e trezentos milhões de moradores do Além?
Digo-lhe que depende da condição espiritual.
Essa população desencarnada estende-se em vários níveis, a partir da crosta terrestre. Por aqui, trombando com os homens, há grande parcela de Espíritos que, libertando-se dos laços da matéria pelo fenômeno da morte, permanecem presos aos vícios e paixões que caracterizam o comportamento de muita gente.
Vivem como se fossem encarnados.
Convivem conosco. Influenciam-nos e não raro nos exploram e oprimem, na medida em que nos rendamos à sua influência.
Surpreendido ao tomar conhecimento dessa realidade, um amigo indagava:
– Se for tomar banho, eles me verão? Haverá outras indiscrições?
Depende de nós, de estarem abertas ou fechadas as portas de nosso lar a essas influências.
Se o ambiente é desajustado, se há vícios e destemperos; se membros do agrupamento familiar não cultivam a oração e um sentido idealista de vida, fatalmente perderemos a privacidade.Muitos de nossos problemas de saúde, desvios de comportamento, vícios e paixões, surgem e se agravam a partir dessa presença.
Se cultivarmos os valores do Cristo, no empenho de renovação, no esforço do Bem, estaremos resguardados.
Há o velho ditado:
Diz-me com quem andas e te direi quem és.
Com pequena alteração podemos aplicá-lo em relação às influências espirituais:
Diz-me como fazes e te direi a natureza das influências que te cercam.
Em última instância, sempre dependerá de nós.
Há a indefectível questão do esquecimento, sempre evocado quando se pretende contestar a reencarnação.
Se estamos pagando dívidas, se sofremos dores e dissabores relacionados com nossos comprometimentos do pretérito, não seria mais fácil e coerente tomar conhecimento deles? Não estaríamos mais conformados, aceitando melhor o disciplinamento da mestra Dor?
Puro engano. Durante anos, visitei prisões e raramente encontrei alguém que julgasse justa a sua condenação. A maioria esperneia, revolta-se, cuida de fugir…
– Achei uma mala cheia de dinheiro, veio a polícia e me prendeu sob a alegação de que a havia roubado.
– Tropecei num cadáver ensanguentado e manchei minhas roupas.
Não adiantou explicar. Condenaram-me por um crime que não cometi!
– Bandidos perversos enfiaram-me num automóvel e me obrigaram a acompanhá-los num assalto. Absurdo ser acusado de mentor do bando!
– Estava amolando uma faca quando o elemento tropeçou e caiu sobre a lâmina, que entrou em seu peito e atingiu o coração.
Da mesma forma, imagino as pessoas recordando suas defecções do passado, a clamarem aos céus:
– Não me conformo ter nascido com a língua presa, como se tivesse sido contumaz fofoqueiro.
Afinal, na vida anterior nada fiz senão defender a verdade, revelando as faltas alheias.
– Deus foi injusto comigo, dando-me um corpo debilitado, braços frágeis. Logo eu, que na vida anterior defendia a justiça, ao espancar aqueles que me contrariavam.
Portanto, caro leitor, não vejo porque teríamos maior facilidade para enfrentar o resgate de nossos débitos, lembrando a origem deles.
Examinemos objetivamente a questão.
A família humana está na Terra há pelo menos duzentos mil anos.
Estimativa modesta, porquanto se calcula que o ser pensante surgiu há pelo menos um milhão de anos.
Estabelecida uma média de cinco reencarnações a cada milênio, o que é, também, um cálculo modesto, teríamos muita gente com centenas de reencarnações. Mesmo Espíritos mais jovens certamente por aqui passaram, em existências breves, longas, médias; experiências variadas – homem, mulher, europeu, asiático, americano, africano, nas alternâncias evolutivas...
Quando é curto o intervalo entre reencarnações, o Espírito pode guardar fortes lembranças da personalidade anterior, algo perturbador, gerando uma confusão terrível em sua cabeça.
Imaginemos o que seria a sobreposição de incontáveis personalidades de vidas anteriores em nosso mundo íntimo. Toda uma população convivendo na caixa craniana! Não haveria juízo que resistisse.
Consideremos a oportunidade do recomeço:
Um homem é condenado por ter cometido atrocidades, criminoso famigerado.
Após anos de prisão, a consciência desperta, atormenta-se pelos crimes praticados.
Ao sair da prisão, qual seria o seu grande desejo, em relação ao assunto?
Ah! Se pudesse esquecer e começar tudo de novo, num lugar onde ninguém o conhecesse, nem o discriminasse pelo seu passado!
É exatamente o que a reencarnação nos faculta, oferecendo-nos infinitas chances de reabilitação.
Há o problema da convivência entre desafetos.
Diz Kardec, quando aborda a questão do esquecimento do passado, no capítulo V, item 11, de O Evangelho segundo o Espiritismo:
Frequentemente, o Espírito renasce no mesmo meio em que já viveu, estabelecendo de novo relações com as mesmas pessoas, a fim de reparar o mal que lhes haja feito. Se reconhecesse nelas as a quem odiara, quiçá o ódio se lhe despertaria outra vez no íntimo. De todo modo, ele se sentiria humilhado em presença daquelas a quem houvesse ofendido.
A sabedoria divina costuma reunir no lar desafetos do passado, a fim de que superem suas desavenças e se harmonizem diante das leis divinas.
Mas, como ensaiaríamos uma reconciliação, se tivéssemos conhecimento dos males que nos fez o familiar de hoje, nosso inimigo ontem?
Seria impossível a convivência.
O esquecimento é uma bênção.
Kardec acrescenta:
Para nos melhorarmos, outorgou-nos Deus, precisamente, o de que necessitamos e nos basta: a voz da consciência e as tendências instintivas.
Priva-nos do que nos seria prejudicial.
Ao nascer, traz o homem consigo o que adquiriu, nasce qual se fez; em cada existência, tem um novo ponto de partida. Pouco lhe importa saber o que foi antes: se se vê punido, é que praticou o mal. Suas atuais tendências más indicam o que lhe resta a corrigir em si próprio e é nisso que deve concentrar-se toda a sua atenção, porquanto, daquilo de que se haja corrigido completamente, nenhum traço mais conservará. As boas resoluções que tomou são a voz da consciência, advertindo-o do que é bem e do que é mal e dando-lhe forças para resistir às tentações. (Op. cit., cap. V, item 11.)
Esquecemos o passado, em nosso benefício, mas não perdemos o fruto de nossas experiências, do que fomos, a se manifestarem em tendências instintivas.
A maior facilidade que todos experimentamos em relação a determinada atividade é fruto de nossas vivências anteriores.
Não raro, essas experiências são tão marcantes e persistentes, envolvendo milênios de aprendizado, que o Espírito, ao reencarnar, revela, desde a mais tenra infância, surpreendente vocação.
Tal acontece com as crianças geniais.
Noutro dia vi uma japonesinha de apenas cinco anos, cega, tocando música erudita com desenvoltura, num programa de televisão.
Espantoso!
Casos assim multiplicam-se na atualidade. Como explicar essa incrível precocidade, sem admitir que são Espíritos com largo aprendizado em vidas anteriores?
De qualquer ângulo que o apreciemos, leitor amigo, podemos constatar que o esquecimento é fruto da Misericórdia Divina, para que possamos cuidar do presente sem nos perturbarmos com o passado, em favor do futuro de bênçãos.
Richard Simonetti
Reformador Jun/09